Quando comecei a escrever o texto sobre esse filme, contei a história toda dele, e, obviamente, era só spoiler. Então decidi mudar – deletei. Não vou contar tudo, até porque o filme não precisa ser interpretado, ele é bem claro em sua mensagem. Run conta a história de uma mãe, Diane, que controla a filha Chloe de uma forma sutil (pelo menos no começo) e doentia. Resumidamente, Run conta a história de uma menina que sobrevive e foge de uma mãe cruel.
O assunto delicado é justamente esse: mães ruins. Vocês já perceberam em quantos filmes o pai é ruim? Tios? Irmãos? Outros familiares? Parece que todos podem ser ruins, menos a mãe. Se mulheres vilãs já são poucas em longas (felizmente isso tem mudado – aliás, recomendo o filme Gone Girl), mães vilãs são EXTREMAMENTE raras. Essa falta de representação não é nada além do reflexo do nosso pensamento como sociedade. Mães são constantemente postas em um pedestal, são sempre santas. Mas será que é essa a realidade? Será que a maternidade traz mesmo a santidade?
É óbvio que muitas, mas muitas mães são maravilhosas (assim como pais, tios, sobrinhos, irmãs, etc), mas, como qualquer outra categoria de ser humano, mães também podem ser ruins. Quando alguém fala que não gosta da mãe, ou que a mãe lhe faz mal, boa parte das pessoas não acredita ou aceita, é quase como se fosse a confissão de um pecado. Os críticos ouvintes podem não apedrejar (as pedras não são físicas), mas pode ter certeza que quando essas pessoas se abrem ou tem de relatar algo, frases como “mas ela é sua mãe”, “mãe é só uma”, “ninguém nunca vai te amar tanto quanto sua mãe” doem na alma tanto quanto um linchamento. Além do julgamento constante, se a vítima não for extremamente firme em sua noção de realidade e de vivência, ela pode sofrer uma forma de gaslighting (mesmo que não proposital) pelo grupo. Pessoas apontando o dedo para a vítima dizendo que talvez ela seja ruim não é nada incomum (especialmente se a mãe está fazendo campanha difamatória ou se vitimizando), além da constante repetição da famosa frase “quando ela morrer, você vai se arrepender”. É uma previsão do futuro que muitas vítimas carregam por anos até se libertarem.
Trazer a ideia de uma mãe má para as telas, para mim, é mais do que necessário. Aliás, Diane faz uso de frases que muitas dessas mães adoram, como “estou fazendo isso para o seu bem” e “como é que você pode achar que eu faria algo de ruim para a minha filha?”. O filme mostra bem essa manipulação por conta do poder materno. Chloe, por fim, consegue entender o que está acontecendo e se livra de sua prisão, mas existem muitas “Chloes” na vida real que ainda estão presas às suas mães manipuladoras.
Aliás, agora psicologizando, acho que a cadeira de rodas e todas as condições que a menina sofre podem ser vistas como simbólicas. Nem todas as Chloes da vida real estão presas a uma cadeira de rodas, mas muitas vezes são condicionadas a acreditar que a condição (psicológica, de vida, etc) que elas têm é para todo o sempre, assim como alguém com paralisia das pernas. Chloe (a do filme) começou a caminhar depois de se livrar de Diane. Não é uma questão de milagre, no entanto. No final do longa, passados anos, ela ainda está se recuperando. Na vida real também podemos ver isso: é um trabalho árduo para se levantar e caminhar com as próprias pernas depois de décadas de manipulação materna, mas tenha certeza que vale muito a pena. A liberdade (seja física ou psicológica) não tem preço.
E por que eu coloquei no título que o filme “meio” que aborda o assunto? Porque (perdoem-me, spoiler) acaba-se descobrindo que Diane não é a mãe biológica de Chloe; ela foi roubada na maternidade. O interessante é que esse detalhe final é completamente “extra” na história. O filme continuaria a MESMA coisa se esse fato não viesse à tona. Não sei se adicionar isso foi uma tentativa consciente de não causar alvoroço da audiência, ou talvez até mesmo inconsciente. Nunca saberemos.
Enfim, termino esse texto um questionamento para quem assistiu o filme:
Como é que ela tinha uma impressora 3D que funcionava sem computador?
Brincadeiras à parte, o filme é bom.
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